quarta-feira, julho 08, 2009

"m" ou "M"

Para quem ainda não notou, às vezes assino com "m" pequenino.

Não é um acidente ou fruto de uma valsa lenta e preguiçosa no teclado.

É totalmente consciente e deliberado. É uma tomada de posição.

E tudo isto só porque há dias em que achamos a nossa visibilidade um fenómeno lamentável e gerador de uma indignação visceral.

Afinal, o "m" nao passa de um "M" envergonhado.

domingo, julho 05, 2009

Blues

Hello, my love.
Escrevo-te, hoje, rodeada do fresco da manhã madrugadora de que tanto gosto.
Aprendi a acordar mais cedo para ver a vida a nascer.
Primeiro nasce o vento no caule das folhas, depois nascem os pássaros, depois as persianas, depois os vultos palidamente confusos e sonolentos. Às sete nasce o cheiro a pão e o ruído triunfante das chaves de ignição.

No início, pouco depois de partires, acordava mais cedo ainda, para ver nascer o sol na paleta de cores celestial. Gostava de sair à rua, atirar um bom dia doce e compadecido ao jornaleiro e sorrir a jovens mulheres no caminho de casa, de melena rebelde e de tacões cansados e confusos.
E então, rodeada por aquele azul perfeito que só dura quatro a cinco minutos por dia, calcorreava ligeira os caminhos de bicicleta junto à avenida, envolvida naquele friozinho matinal que sobe pela espinha até se desvanecer no pescoço num despertar fresco e desvelado.

Não resistia a olhar os jardins do palácio, e a pensar naqueles lugares que se escondiam entre cipestres seculares, e que não davam nem para a avenida nem para as fontes do palácio, mas só davam para ti e para mim, e para nós a comer cerejas e a olhar para o céu.
Those were sweet cherries, love...

De resto, tudo parecia mais doce na altura, e mais despreocupado.
Por isso eu gostava tanto dos sábados. Os sábados eram o teu dia, e começavam sempre com um encontro na estação de comboio, como nos filmes. Os sábados agora sabem a fel, my love, mas tu não tens culpa. Aprendi a saborear a solidão com a mesma paixão com que saboreava as curvas do teu corpo.

Talvez tivesse sido mais fácil se tivesse nascido a apreciar só as coisas simples. O sabor de um grão de café, o movimentar vagaroso e dificil de uma lagarta, o sibilar do vento por entre a vegetação agreste da savana.
Mas eu nasci numa cascata ruidosa de luzes fluorescentes, e isso não é mau, é só... diferente.

Não quero que fiques triste. Sabes que mais? Desconfio que o amor cresce em todos os espaços públicos e todos os momentos íntimos do mundo. Que posso eu sentir senão amor em ver as fotos do recém-nascido coreano do meu melhor amigo? Que outra coisa é, que não amor, ver um casal vagaroso de octogenários de mão dada, a arrastarem um suspiro por entre as pedras da calçada?

My dear, dear darling...
Descobri que é mesmo como o sábio disse, que a minha maior felicidade nasce de querer ver os outros felizes!

E tenho muito Tempo agora. Tenho tempo para dormir só, tenho tempo para acordar cedo, tenho tempo para ler nas entrelinhas das notícias dos jornais e tempo para descobrir a voz apertada das amigas que afinal não são felizes. Tenho tempo para o corpo, tenho tempo para a escrita, tenho tempo para a dança... Tempo para a Dança!!
Tenho a minha companhia, que me canta quando me assolam as nossas memórias e que me entrelaça as mãos quando me custa adormecer durante a noite.

Dearest,
não estou triste, estou... inspirada. Distraio-me a transformar memórias em vivências, a olhar a luz dos outros e a ver que, às vezes, é uma luz reflectida, distraio-me com os meus novos sorrisos grandes, que quase chegam ao céu quando a dança me levanta os pés do chão.

A vida é como o friozinho matinal e a transformação na paleta de cores...
Não tarda nada, estarei in love outra vez.

Longe demais

Sempre tive medo de olhar nos olhos as mudanças bruscas, as viragens que deveriam acontecer.

Então fui preferindo o sossego morno das decisões que se adiam. A tranquilidade aparente que nos traz as notícias que propagamos mecanicamente, só porque achamos que nos encaixa no que é socialmente comum, só porque achamos que, ao repetirmos o mesmo, a várias pessoas diferentes (e indiferentes), o nosso mundo se torna genuinamente melhor.

E foi assim que fugi de ti. Fugi desse magnetismo que me prende sem piedade, fugi dos teus braços de lava, da respiração ofegante, da taquicardia iminente. Fugi da nossa música, desse halo que me diz quando estás, mesmo de olhos fechados, fugi da maneira doce como baloiças algumas palavras na boca, fugi da tua boca.

Acontece que fugi tanto que me vi longe demais. No caminho, perdi-te para o ritmo incessante das coisas, que transforma vidas e os sonhos em memórias. Porque acreditava que o que tivemos se dissolveria na espuma do tempo ou no regaço de outrem.

Mas esta noite, girando pela casa, penso se terá sido só isto o que restou. E agora sinto o quanto quero regressar ao tempo que nos escapou por entre os dedos, ao tempo que não tivemos e que é nosso por direito, ao tempo em que nos queríamos amar perdidamente em todos os cantos do mundo.

Ainda quero ter, ainda quero ser.
Eu quero ficar.
Deixa-me acreditar.