sábado, março 18, 2006

De pé atrás




De vez em quando, sem darmos por ela, iludimo-nos.

Umas vezes as ilusões nascem de títulos bombáticos nas revistas, que afinal escondem uma notícia pequenina.

Outras vezes, magoa mesmo, e a dor de nos sentirmos enganados veste cores pesadas, insustentáveis num corpo que não reconhecemos como nosso, de tão fragilizado que ficou. Como uma folha verde, queimada pelos raios do sol de Verão, murchamos.

Contra a ilusão só há dois remédios: deixar de sonhar, que não é remédio nenhum ou ficar "de pé atrás". Pomo-nos "de pé atrás" para nos precavermos de outra dor, para suavizarmos o impacto de outra desilusão, de uma reviravolta inesperada mesmo quando pensavamos "desta vou ser feliz...".

Friamente, descemos a temperatura do nosso órgão que palpita, acizentamo-nos, aprendemos a pensar as emoções.

E isso é mesmo triste.

Para nós em relação ao outro, porque por mais genuíno que pareça aos olhos dos outros, sempre será o autor de uma história falaciosa que nos cansamos de ouvir. Para o outro em relação a nós, nas vezes - pode acontecer - em que muda mesmo, porque nos vê cegos pelo "pé atrás", e firmes em recusar correr o risco de cair outra vez.

As crianças. algodõezinhos de ilusão, são felizes!...

E eu só quero ser criança outra vez, para acreditar em duendes e renas voadoras, em pós de estrelas e anjos da guarda, em bonecos de giz e fadas, que podes mudar e sermos diferentes depois.

Mas estou de pé atrás, lá, onde o puseste. E agora, só resta esperar que alguém - quem sabe, tu - venha e me salve, para eu aprender a sonhar outra vez.

Levavas a minha rosa


Dois anos é muito tempo, cresci muito.

Precisava de olhar para ti, para me sentir vida, soprada por essa luz.

Conheci-te em criança, quando te via como um arrebatador Rudolph Valentino, esse teu perfume...

Talvez te despertasse um espírito protector de pai que ensina e fascina. Fonte de conhecimento, como te fizeste?

E sempre aquele son... Cuba para sempre. Ainda guardo o teu susurro quente quando a dançar me abraçavas.

Finalmente. Bem sei que ambos ansiávamos rasgar o orgulho. Estava o restaurante cheio de gente? Ou éramos só nós, no nosso mundo pequenino?

Ofereceste-me uma rosa aveludada, como os teus gestos de ternura. Sempre quebramos as regras, lembras-te? Pago eu o jantar.

Isabel Allende anima uma conversa noctívaga portuense... Mas é muito tarde, já não me atrevo. Beijo-te na face e, sem resistir, acaricio os teus cabelos de ondas do mar.

Deixo-me mergulhar devagarinho na voz de Ochoa, que faz chorar a chuva nas janelas do carro. Não consigo deixar de sorrir.


De Alto Cedro voy para Marcané... Llego a Cueto voy para Mayarí...


...

Chegas ao teu Destino, estacionas o carro.

Está frio, está muito frio para uma noite de Verão.

Só, na noite, percorres o passeio, mas não tens pressa, sorvendo o sabor lua que ilumina os teus passos caminho, e sorris com a rosa vermelha que te dei.

E foi aí.

Um vulto negro e uma arma, numa sombra de trevas que treme na calçada escura.

Não te moves, tens medo, mas estás serena.

Tinhas-me mostrado esses brincos de ouro branco no café dos Clérigos, lembras-te? E o teu casaco de couro, que compraste comigo...

Deste todo o dinheiro que tinhas, o vulto afastou-se. Conseguiste então Respirar.

Mas o verdugo voltou-se... PORQUÊ ma roubaste, rasgo de trevas?


...

Acordei sobressaltado. Sempre temi o mar, esse destruidor universal.

Bebo um copo de água, vou à janela e contemplo o lugar onde pela primeira vez te beijei. Me beijaste.

Fecho os olhos, e o meu telemóvel toca. No meu visor aparece o teu número, preparo-me para as tuas palavras bonitas. Mas tu não falas, ouço a formalidade de um desconhecido.

"Sim, sou amigo... Como? O quê?"

Saio de casa, só te quero ver. É tão longe... 10 kms de desespero.


Onde estás?

Chego ao meu destino.


Estarão as sirenes a tocar?

Essas luzes azuis que me ferem os olhos...Não sinto o frio.

Vejo-te no enevoado de lágrimas, estendida. Avanço para ti. A tua carinha fria... Teus olhos, cristais de gelo, belos, belos como nunca vi.

Deixem-me abraçá-la! Quem fez isto? Onde está? Digam-me onde está!

Não quero acreditar e mesmo sem forças para resistir, reviro as raízes da minha vontade para te ver mais uma vez e então Vi.

No vermelho quente de teu peito, a luz de uma rosa. A minha rosa, sobre o teu corpo frágil, perto do coração.

Ainda aqui estou, todos já se foram.


Onde estás tu, meu amor?
...


Fui recuperando, devagarinho, com o vagar de quem não teme as ondas gigantes do mar.

Quando se morre de amor não custa.

Esta paz imensa que consome minhas dezoito pétalas de luz...

Ainda amo baixinho... ainda acho que nasci para ti.

Estás aqui?