domingo, julho 05, 2009

Blues

Hello, my love.
Escrevo-te, hoje, rodeada do fresco da manhã madrugadora de que tanto gosto.
Aprendi a acordar mais cedo para ver a vida a nascer.
Primeiro nasce o vento no caule das folhas, depois nascem os pássaros, depois as persianas, depois os vultos palidamente confusos e sonolentos. Às sete nasce o cheiro a pão e o ruído triunfante das chaves de ignição.

No início, pouco depois de partires, acordava mais cedo ainda, para ver nascer o sol na paleta de cores celestial. Gostava de sair à rua, atirar um bom dia doce e compadecido ao jornaleiro e sorrir a jovens mulheres no caminho de casa, de melena rebelde e de tacões cansados e confusos.
E então, rodeada por aquele azul perfeito que só dura quatro a cinco minutos por dia, calcorreava ligeira os caminhos de bicicleta junto à avenida, envolvida naquele friozinho matinal que sobe pela espinha até se desvanecer no pescoço num despertar fresco e desvelado.

Não resistia a olhar os jardins do palácio, e a pensar naqueles lugares que se escondiam entre cipestres seculares, e que não davam nem para a avenida nem para as fontes do palácio, mas só davam para ti e para mim, e para nós a comer cerejas e a olhar para o céu.
Those were sweet cherries, love...

De resto, tudo parecia mais doce na altura, e mais despreocupado.
Por isso eu gostava tanto dos sábados. Os sábados eram o teu dia, e começavam sempre com um encontro na estação de comboio, como nos filmes. Os sábados agora sabem a fel, my love, mas tu não tens culpa. Aprendi a saborear a solidão com a mesma paixão com que saboreava as curvas do teu corpo.

Talvez tivesse sido mais fácil se tivesse nascido a apreciar só as coisas simples. O sabor de um grão de café, o movimentar vagaroso e dificil de uma lagarta, o sibilar do vento por entre a vegetação agreste da savana.
Mas eu nasci numa cascata ruidosa de luzes fluorescentes, e isso não é mau, é só... diferente.

Não quero que fiques triste. Sabes que mais? Desconfio que o amor cresce em todos os espaços públicos e todos os momentos íntimos do mundo. Que posso eu sentir senão amor em ver as fotos do recém-nascido coreano do meu melhor amigo? Que outra coisa é, que não amor, ver um casal vagaroso de octogenários de mão dada, a arrastarem um suspiro por entre as pedras da calçada?

My dear, dear darling...
Descobri que é mesmo como o sábio disse, que a minha maior felicidade nasce de querer ver os outros felizes!

E tenho muito Tempo agora. Tenho tempo para dormir só, tenho tempo para acordar cedo, tenho tempo para ler nas entrelinhas das notícias dos jornais e tempo para descobrir a voz apertada das amigas que afinal não são felizes. Tenho tempo para o corpo, tenho tempo para a escrita, tenho tempo para a dança... Tempo para a Dança!!
Tenho a minha companhia, que me canta quando me assolam as nossas memórias e que me entrelaça as mãos quando me custa adormecer durante a noite.

Dearest,
não estou triste, estou... inspirada. Distraio-me a transformar memórias em vivências, a olhar a luz dos outros e a ver que, às vezes, é uma luz reflectida, distraio-me com os meus novos sorrisos grandes, que quase chegam ao céu quando a dança me levanta os pés do chão.

A vida é como o friozinho matinal e a transformação na paleta de cores...
Não tarda nada, estarei in love outra vez.