quarta-feira, janeiro 05, 2011

Quarto


Sentas-te na cama. A meia-luz, curvado, o teu perfil esguio desenha uma meia-lua.

Observas-me ao longe, encostada à ombreira da porta, de pés descalços e receosos pela ousadia da negligé.

Deixo deslizar o cetim preto até ao chão. Fico imóvel, de corpo nu e alma exposta.

Avanço para ti.

Os meus passos são sementes que lanço à terra, esperando as colheitas que hão-de vir.

Ao caminhar, escuto as promessas do tempo, os sussurros, os risos, e revejo as imagens felizes dos meus sonhos de menina.

Caminho sempre, até os meus pés desaguarem nas tuas veias e se confundirem com o calor do teu regaço, a textura do teu cabelo, o cheiro da tua pele.

E aí, vejo como todos os passos do mundo foram só os bastidores do coração e
que o palco da minha vida começa em ti.

quarta-feira, julho 08, 2009

"m" ou "M"

Para quem ainda não notou, às vezes assino com "m" pequenino.

Não é um acidente ou fruto de uma valsa lenta e preguiçosa no teclado.

É totalmente consciente e deliberado. É uma tomada de posição.

E tudo isto só porque há dias em que achamos a nossa visibilidade um fenómeno lamentável e gerador de uma indignação visceral.

Afinal, o "m" nao passa de um "M" envergonhado.

domingo, julho 05, 2009

Blues

Hello, my love.
Escrevo-te, hoje, rodeada do fresco da manhã madrugadora de que tanto gosto.
Aprendi a acordar mais cedo para ver a vida a nascer.
Primeiro nasce o vento no caule das folhas, depois nascem os pássaros, depois as persianas, depois os vultos palidamente confusos e sonolentos. Às sete nasce o cheiro a pão e o ruído triunfante das chaves de ignição.

No início, pouco depois de partires, acordava mais cedo ainda, para ver nascer o sol na paleta de cores celestial. Gostava de sair à rua, atirar um bom dia doce e compadecido ao jornaleiro e sorrir a jovens mulheres no caminho de casa, de melena rebelde e de tacões cansados e confusos.
E então, rodeada por aquele azul perfeito que só dura quatro a cinco minutos por dia, calcorreava ligeira os caminhos de bicicleta junto à avenida, envolvida naquele friozinho matinal que sobe pela espinha até se desvanecer no pescoço num despertar fresco e desvelado.

Não resistia a olhar os jardins do palácio, e a pensar naqueles lugares que se escondiam entre cipestres seculares, e que não davam nem para a avenida nem para as fontes do palácio, mas só davam para ti e para mim, e para nós a comer cerejas e a olhar para o céu.
Those were sweet cherries, love...

De resto, tudo parecia mais doce na altura, e mais despreocupado.
Por isso eu gostava tanto dos sábados. Os sábados eram o teu dia, e começavam sempre com um encontro na estação de comboio, como nos filmes. Os sábados agora sabem a fel, my love, mas tu não tens culpa. Aprendi a saborear a solidão com a mesma paixão com que saboreava as curvas do teu corpo.

Talvez tivesse sido mais fácil se tivesse nascido a apreciar só as coisas simples. O sabor de um grão de café, o movimentar vagaroso e dificil de uma lagarta, o sibilar do vento por entre a vegetação agreste da savana.
Mas eu nasci numa cascata ruidosa de luzes fluorescentes, e isso não é mau, é só... diferente.

Não quero que fiques triste. Sabes que mais? Desconfio que o amor cresce em todos os espaços públicos e todos os momentos íntimos do mundo. Que posso eu sentir senão amor em ver as fotos do recém-nascido coreano do meu melhor amigo? Que outra coisa é, que não amor, ver um casal vagaroso de octogenários de mão dada, a arrastarem um suspiro por entre as pedras da calçada?

My dear, dear darling...
Descobri que é mesmo como o sábio disse, que a minha maior felicidade nasce de querer ver os outros felizes!

E tenho muito Tempo agora. Tenho tempo para dormir só, tenho tempo para acordar cedo, tenho tempo para ler nas entrelinhas das notícias dos jornais e tempo para descobrir a voz apertada das amigas que afinal não são felizes. Tenho tempo para o corpo, tenho tempo para a escrita, tenho tempo para a dança... Tempo para a Dança!!
Tenho a minha companhia, que me canta quando me assolam as nossas memórias e que me entrelaça as mãos quando me custa adormecer durante a noite.

Dearest,
não estou triste, estou... inspirada. Distraio-me a transformar memórias em vivências, a olhar a luz dos outros e a ver que, às vezes, é uma luz reflectida, distraio-me com os meus novos sorrisos grandes, que quase chegam ao céu quando a dança me levanta os pés do chão.

A vida é como o friozinho matinal e a transformação na paleta de cores...
Não tarda nada, estarei in love outra vez.

Longe demais

Sempre tive medo de olhar nos olhos as mudanças bruscas, as viragens que deveriam acontecer.

Então fui preferindo o sossego morno das decisões que se adiam. A tranquilidade aparente que nos traz as notícias que propagamos mecanicamente, só porque achamos que nos encaixa no que é socialmente comum, só porque achamos que, ao repetirmos o mesmo, a várias pessoas diferentes (e indiferentes), o nosso mundo se torna genuinamente melhor.

E foi assim que fugi de ti. Fugi desse magnetismo que me prende sem piedade, fugi dos teus braços de lava, da respiração ofegante, da taquicardia iminente. Fugi da nossa música, desse halo que me diz quando estás, mesmo de olhos fechados, fugi da maneira doce como baloiças algumas palavras na boca, fugi da tua boca.

Acontece que fugi tanto que me vi longe demais. No caminho, perdi-te para o ritmo incessante das coisas, que transforma vidas e os sonhos em memórias. Porque acreditava que o que tivemos se dissolveria na espuma do tempo ou no regaço de outrem.

Mas esta noite, girando pela casa, penso se terá sido só isto o que restou. E agora sinto o quanto quero regressar ao tempo que nos escapou por entre os dedos, ao tempo que não tivemos e que é nosso por direito, ao tempo em que nos queríamos amar perdidamente em todos os cantos do mundo.

Ainda quero ter, ainda quero ser.
Eu quero ficar.
Deixa-me acreditar.

sábado, março 18, 2006

De pé atrás




De vez em quando, sem darmos por ela, iludimo-nos.

Umas vezes as ilusões nascem de títulos bombáticos nas revistas, que afinal escondem uma notícia pequenina.

Outras vezes, magoa mesmo, e a dor de nos sentirmos enganados veste cores pesadas, insustentáveis num corpo que não reconhecemos como nosso, de tão fragilizado que ficou. Como uma folha verde, queimada pelos raios do sol de Verão, murchamos.

Contra a ilusão só há dois remédios: deixar de sonhar, que não é remédio nenhum ou ficar "de pé atrás". Pomo-nos "de pé atrás" para nos precavermos de outra dor, para suavizarmos o impacto de outra desilusão, de uma reviravolta inesperada mesmo quando pensavamos "desta vou ser feliz...".

Friamente, descemos a temperatura do nosso órgão que palpita, acizentamo-nos, aprendemos a pensar as emoções.

E isso é mesmo triste.

Para nós em relação ao outro, porque por mais genuíno que pareça aos olhos dos outros, sempre será o autor de uma história falaciosa que nos cansamos de ouvir. Para o outro em relação a nós, nas vezes - pode acontecer - em que muda mesmo, porque nos vê cegos pelo "pé atrás", e firmes em recusar correr o risco de cair outra vez.

As crianças. algodõezinhos de ilusão, são felizes!...

E eu só quero ser criança outra vez, para acreditar em duendes e renas voadoras, em pós de estrelas e anjos da guarda, em bonecos de giz e fadas, que podes mudar e sermos diferentes depois.

Mas estou de pé atrás, lá, onde o puseste. E agora, só resta esperar que alguém - quem sabe, tu - venha e me salve, para eu aprender a sonhar outra vez.

Levavas a minha rosa


Dois anos é muito tempo, cresci muito.

Precisava de olhar para ti, para me sentir vida, soprada por essa luz.

Conheci-te em criança, quando te via como um arrebatador Rudolph Valentino, esse teu perfume...

Talvez te despertasse um espírito protector de pai que ensina e fascina. Fonte de conhecimento, como te fizeste?

E sempre aquele son... Cuba para sempre. Ainda guardo o teu susurro quente quando a dançar me abraçavas.

Finalmente. Bem sei que ambos ansiávamos rasgar o orgulho. Estava o restaurante cheio de gente? Ou éramos só nós, no nosso mundo pequenino?

Ofereceste-me uma rosa aveludada, como os teus gestos de ternura. Sempre quebramos as regras, lembras-te? Pago eu o jantar.

Isabel Allende anima uma conversa noctívaga portuense... Mas é muito tarde, já não me atrevo. Beijo-te na face e, sem resistir, acaricio os teus cabelos de ondas do mar.

Deixo-me mergulhar devagarinho na voz de Ochoa, que faz chorar a chuva nas janelas do carro. Não consigo deixar de sorrir.


De Alto Cedro voy para Marcané... Llego a Cueto voy para Mayarí...


...

Chegas ao teu Destino, estacionas o carro.

Está frio, está muito frio para uma noite de Verão.

Só, na noite, percorres o passeio, mas não tens pressa, sorvendo o sabor lua que ilumina os teus passos caminho, e sorris com a rosa vermelha que te dei.

E foi aí.

Um vulto negro e uma arma, numa sombra de trevas que treme na calçada escura.

Não te moves, tens medo, mas estás serena.

Tinhas-me mostrado esses brincos de ouro branco no café dos Clérigos, lembras-te? E o teu casaco de couro, que compraste comigo...

Deste todo o dinheiro que tinhas, o vulto afastou-se. Conseguiste então Respirar.

Mas o verdugo voltou-se... PORQUÊ ma roubaste, rasgo de trevas?


...

Acordei sobressaltado. Sempre temi o mar, esse destruidor universal.

Bebo um copo de água, vou à janela e contemplo o lugar onde pela primeira vez te beijei. Me beijaste.

Fecho os olhos, e o meu telemóvel toca. No meu visor aparece o teu número, preparo-me para as tuas palavras bonitas. Mas tu não falas, ouço a formalidade de um desconhecido.

"Sim, sou amigo... Como? O quê?"

Saio de casa, só te quero ver. É tão longe... 10 kms de desespero.


Onde estás?

Chego ao meu destino.


Estarão as sirenes a tocar?

Essas luzes azuis que me ferem os olhos...Não sinto o frio.

Vejo-te no enevoado de lágrimas, estendida. Avanço para ti. A tua carinha fria... Teus olhos, cristais de gelo, belos, belos como nunca vi.

Deixem-me abraçá-la! Quem fez isto? Onde está? Digam-me onde está!

Não quero acreditar e mesmo sem forças para resistir, reviro as raízes da minha vontade para te ver mais uma vez e então Vi.

No vermelho quente de teu peito, a luz de uma rosa. A minha rosa, sobre o teu corpo frágil, perto do coração.

Ainda aqui estou, todos já se foram.


Onde estás tu, meu amor?
...


Fui recuperando, devagarinho, com o vagar de quem não teme as ondas gigantes do mar.

Quando se morre de amor não custa.

Esta paz imensa que consome minhas dezoito pétalas de luz...

Ainda amo baixinho... ainda acho que nasci para ti.

Estás aqui?